O glorioso C. F. C. (Cachoeira Futebol Clube) era um time que não brincava em serviço.Negócio dos jogadores, ou do técnico, ou de quem se arvorava em treinador, era ganhar: no apito, no tapa, na bola, na pancadaria, no grito, ganhavam os craques no campo e a torcida no murro, qualquer forma de ganhar era boa para o invicto. Havia uma rivalidade, isto é, uma inimizade congênita, por assim dizer, entre o Cachoeira F. C. e todos os outros clubes do Vale. Depois do jogo, e às vezes até durante, era pancadaria na certa. Nicácio Soldado e mais três milicos apareciam e muita gente ia em cana. Ia-se alegremente, é verdade, cadeia não foi feita pra cachorro, foi feita pra torcedor. No dia seguinte, uma segunda-feira de serviço, os parentes ou os patrões dos baderneiros iam retirá-los, mediante uma fiancinha. Isso quando era em casa.
E então o glorioso foi convidado para um amistoso em Quiririm.
– Tá no papo! – diziamos nossos, os mais exaltados de boca cheia.
Dois caminhões lotados levaram a risonha torcida, para o jogo e mais um fotógrafo, dublê de torcedor. Selecionaram o Q.G. dos brigões: Pula Nágua, Pedrão, Negrinho do Norato, Escapulido, Tunico Gordo (que era magro como um cabo de vassoura vestido), o Turco Louco, o Galinha Cega, o Tibúrcio, o Leopordo Vam’entrá-de-acordo, e por aí além.
Dizer que o jogo transcorreu tranqüilamente seria exagero, mas ninguém esperava o transtorno da última hora, que atiçou a malquerença geral. Um carrinho,dado de má fé, um bate-boca nas arquibancadas, quando se viu, estavam os valentes torcedores cachoeirenses disputando com os locais uma corrida de velocidade olímpica. Corrida dir-se-ia que contra a morte, tão acirrada e animosa, de ambos os lados. E os gritos, santo Deus?! E o nome da mãe?! Cachoeirense não gritava. Somente corria. Num último arranco, por fim conseguiram certa distância, os caminhões vieram de encontro, o carro do doutor delegado apontou na esquina, encheram atabalhoadamente os dois mercedões e, – para os motoristas apavorados:
– Pé na tábua! Depressa como quem furta!
Lá se foram,fugindo, os craques do mais aguerrido futebol do Vale.
Quase desembocando na Dutra, perceberam que estavam sendo seguidos.
– Corre, João Onça! Pisa desgraçado!
Zelão da Geralda, na sua fala descansada, comentou:
– Eu ia jurar que aquele que vem gritando e sacolejando o guarda-chuva é seu Padre!
– É mesmo gente! É o seu Padre.
E de lá aquela gritaria:
– Pera aí! Pára aí!
– Que pára!? Que espera o quê?
O caminhão da frente parou.
Pára! Pára! É de paz.
E era. Seu Padre vinha trazendo dois retardatários suicidas que, com a pressão dos fujões, tinham ficado para trás.
Passado o susto e retomada a marcha com mais dois a bordo, o Tibúrcio e o Escapulido, o treinador avisou, serioso:
– Pessoal! Ninguém conta, ninguém precisa saber que nós deixamos dois dos nossos na mão do inimigo.
Mas havia o fotógrafo, cuja língua não cabia na boca.