Joaquim Maria Botelho vai conversar sobre a biografia de Ruth Guimarães que acaba de ser lançada por ele e Júnia, seus filhos, pela Nocelli Editora, com apoio do ProAc. O trabalho trata da formação intelectual da escritora, sua vida, obras e legado literário. O autor fará uma roda de conversa sobre sua profícua produção literária, ativismo cultural e social, diversidade e apagamento de sua história, obliterados pela preferência aos icônicos autores brancos e de classe social mais elevada.
Ruth Guimarães não acreditava, propriamente, em Deus. Acreditava num deus, que podia ser chamado de fraternidade, solidariedade ou amor. Conhecia várias religiões, estudou-lhes a filosofia, apreciava as belezas de cada uma e de cada uma quis os ensinamentos. Cresceu ouvindo crendices, lendas, superstições. Separou pelo estudo as que a ciência explica, manteve o que lhe foi introjetado pela ancestralidade, nominadamente Honória Joaquina, sua avó e fada madrinha. Misturou no cadinho de conhecimento a sabedoria camponesa do avô português. E leu tudo o que lhe caía à mão, desde os cinco anos de idade. Conhecia a Bíblia, citava os livros apesar de, como Eça de Queiroz, não crer como o católico supostamente deve crer. A Bíblia era, para ela, um relicário de sabedoria.
Os autores da biografia distribuíram o livro em partes que se referem aos livros da Bíblia, apenas como elemento de catalogação, para tornar didática esta história protagonizada por uma mulher sensível, inteligente, justa, sofredora e feliz. Lutou com as armas que pôde usar: o livro, o ensino, um extraordinário senso de justiça e uma fé inabalável nos seus deveres para com o próximo.
Trecho da orelha do livro “Histórias da casa velha – biografia intelectual de Ruth Guimarães”:
Ela foi mestra, mãe, amiga, esposa, ativista cultural, intelectual reconhecida, caipira orgulhosa de suas raízes e do seu papel no mundo. Viveu todos os momentos com intensidade, às vezes serena e consentida, às vezes irada e contrafeita. Não recusou jamais uma briga. Atuou em política cultural, insurgindo-se contra políticos partidários desonestos, contra administradores públicos autoritários e injustos – de modo geral, contra a injustiça contra a gente pobre. Foi pobre. Escolheu o desapego. Quis ser como sua gente das cidadezinhas, vilarejos e roças, participar de seus mistérios, compreendê-los e carregá-los dentro do seu repertório de conhecimento. Ensinou artesanato a mulheres pobres que não podiam se sustentar e por isso aturavam maridos bêbados e violentos. Ensinou ofícios a meninos e meninas de rua e modificou para melhor muitos destinos. Escreveu livros para ensinar pessoas a gostar de ler para assim compreender o mundo.
Teve nove filhos, depois de cuidar de três irmãos menores. Educou a todos com o apoio de um homem amoroso, apaixonado e amigo – seu primo José. Formaram a mais bela parceria que conhecemos. Produziram reportagens, artigos, fotografias, livros, produziram filhos que se amaram e se amam.
No momento que este livro é apresentado para publicação, com apoio do Proac – Programa de Ação Cultural do estado de São Paulo, restamos três irmãos para contar a história desta mulher especial: Joaquim Maria, Marcos e Júnia. Aqui estão os relatos que ouvimos, os diálogos que testemunhamos, as pesquisas que realizamos. É uma contribuição para manter viva a obra, o legado intelectual e social e o caráter de excepcional qualidade humana dessa mulher que nos deu a vida, nos deu valores, ensinamentos e livros.
Ave, nossa mãe, Ruth Guimarães, heroína da vida real.
Joaquim Maria Botelho e Júnia Botelho 2023