Uma mestranda arquiteta lutando pelo instituto Ruth Guimarães

As reflexões desenvolvidas ao longo desta dissertação conduzem a uma constatação que não pode ser silenciada: propor a criação de um centro cultural no Brasil, sobretudo em uma cidade do interior, significa enfrentar uma série de obstáculos estruturais e simbólicos que extrapolam o campo arquitetônico. Trata-se de um gesto que desafia a lógica de um país que, historicamente, não valoriza a cultura, negligencia a preservação do patrimônio e ainda resiste em reconhecer a potência das manifestações artísticas e literárias negras. Ao localizar o projeto em uma região interiorana, não apenas se explicitam os desafios materiais – como a carência de políticas públicas e o descaso com a infraestrutura -, mas também se revela um quadro mais amplo de invisibilização social e cultural, atravessado por desigualdades e preconceitos arraigados.

O exercício aqui apresentado assume, portanto, um caráter duplamente desafiador: arquitetônico e político. É arquitetônico porque se propõe a dialogar com a paisagem natural, estabelecendo uma relação de harmonia com o meio ambiente em um país em que este é sistematicamente desconsiderado, explorado e degradado em nome de lógicas mercantilistas e de uma concepção desenvolvimentista que privilegia a produção de lucros em detrimento da vida. E é político porque tensiona as narrativas oficiais, ao trazer para o centro do debate a obra e a trajetória de Ruth Guimarães – escritora que, com coragem e sensibilidade, se autodefiniu como “pobre, preta, caipira e mulher”, condição que, por si só, carrega o peso de interseccionalidades que ainda hoje são alvos de violência, exclusão e silenciamento no Brasil.

Homenagear Ruth Guimarães é, nesse sentido, mais do que resgatar a memória de uma autora; é reafirmar a importância da valorização da cultura negra e do legado das mulheres que ousaram escrever contra as correntes dominantes de sua época. A escolha de Ruth como matriz simbólica deste projeto não apenas legitima sua relevância como intelectual e agente cultural, mas também aponta para a urgência de uma luta contínua pela preservação do patrimônio cultural em um país onde a degradação e a homogeneização arquitetônica resultam diretamente da ausência de identificação da população com os espaços. Quando a apropriação popular é substituída por interesses do mercado, o patrimônio deixa de ser percebido como bem coletivo e se torna vulnerável ao esquecimento e à destruição. Assim, o que está em jogo não é apenas um edifício, mas a própria noção de pertencimento e identidade de uma comunidade.

O projeto aqui delineado assume essa batalha como um exercício constante de resistência: construir espaços que favoreçam a memória, o encontro e a expressão cultural é uma forma de se opor à lógica de apagamento e exclusão que ainda estrutura o país. Mais do que um gesto arquitetônico, é um gesto político e social, que busca contribuir para a construção de uma coletividade mais consciente de seu patrimônio e mais disposta a defendê-lo. Trata-se de uma tentativa de reverter o quadro de negligência cultural e ambiental, criando fissuras em um sistema que insiste em invisibilizar aqueles que não se encaixam no padrão dominante.

Nesse processo, torna-se evidente que lidar com temas como cultura, patrimônio, natureza e identidade em um país como o Brasil é enfrentar uma dezena de dificuldades, preconceitos e contradições. Mas é justamente nessa dificuldade que reside a potência do trabalho. Ao propor um pavilhão sustentável para o centro cultural em homenagem a Ruth Guimarães, este projeto não apenas reconhece a grandeza de uma mulher que soube transformar em literatura sua condição social e racial, mas também reafirma a necessidade de manter viva a memória daqueles que foram sistematicamente marginalizados. Preservar a cultura, o meio ambiente e a história é, assim, um exercício de resistência e de esperança, um chamado a reconstituir laços de pertencimento e a cultivar um futuro mais justo e plural.

Nesse sentido, a pesquisa abre também possibilidades de desdobramentos futuros. Entre eles, destaca-se a necessidade de aprofundar os estudos sobre a aplicação da bioconstrução em centros culturais, sobretudo em contextos interioranos, ampliando referências técnicas e consolidando sua viabilidade normativa e econômica. Outro caminho é a aproximação com as universidades, de modo que canteiros experimentais como este possam ser incorporados às atividades de extensão em cursos de Arquitetura, Urbanismo e Engenharia Civil, funcionando como espaço de aprendizado prático e de engajamento comunitário. Além disso, a continuidade da investigação pode contemplar o desenvolvimento de projetos complementares – estruturais, de interiores e de paisagismo -, bem como a análise de modelos de gestão participativa capazes de assegurar a vitalidade e a sustentabilidade do equipamento cultural a longo prazo. Essas propostas indicam que o trabalho aqui apresentado não se encerra em si mesmo, mas constitui ponto de partida para novas pesquisas e práticas comprometidas com a cultura, a memória e a justiça socioambiental.

Ruth Guimarães

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